Gláucia M. Lauletta Frascino
Partner
Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados
October 31, 2016 | Valor Econômico
Segundo divulgado pela Receita Federal do Brasil em 19 de setembro último, a carga tributária do País subiu de 32,42% em 2014 para 32,66% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2015, como reflexo do encolhimento da economia brasileira no último ano.
Isso porque, embora tenha havido queda nominal na arrecadação tributária em 2015, considerando a forte recessão econômica, o valor dos tributos arrecadados (R$ 1,928 trilhão) passou a ser proporcionalmente maior em relação ao PIB brasileiro.
Essa informação, que teve ampla divulgação pela imprensa nos últimos dias, nos faz voltar a um tema dos mais assíduos em toda e qualquer discussão a respeito da necessidade de redução do “custo Brasil”, de estímulo da economia e de racionalização da carga fiscal suportada por contribuintes, sejam eles grandes corporações ou mesmo pessoas físicas, no seu dia a dia: a necessidade/possibilidade de uma reforma tributária no País.
Pudera. O Brasil é um País com tributos exigidos nos mais diferentes níveis da administração pública – União, Estados e Distrito Federal, e Municípios -, sem falar nas contribuições para a Seguridade Social e/ou de intervenção no domínio econômico. Tributos é o que não falta no Brasil.
As vantagens de eventual reforma são evidentes e já conhecidas por muitos: a racionalização dos tributos, a simplificação no cumprimento de obrigações acessórias, a atração de capital externo não especulativo, a redução da informalidade, a eliminação de distorções entre os Estados da Federação, entre muitas outras.
Em relação a esse último aspecto, a discussão em torno dos tributos no País também envolve o estímulo ao desenvolvimento regional, na medida em que, com racionalidade e simplificação, teríamos incentivos concedidos por aqueles e onde se justifica incentivar, e não de forma quase que aleatória e casuística, como ocorre atualmente.
Mas, da mesma forma que tais vantagens são conhecidas – e certamente não se resumem às acima mencionadas – os desafios para que a verdadeira reforma tributária seja uma realidade entre nós não são poucos.
Pode-se dizer que o sistema tributário brasileiro é, atualmente, um dos pilares do próprio federalismo, pois a partilha de receitas tributárias é o principal instrumento pelo qual os Estados se mostram independentes da União. Independência esta que, no mais das vezes, se revela em inequívoco capital político. Daí porque muitos sustentam que não haverá reforma tributária sem a chamada reforma política.
Há muitos outros desafios a serem enfrentados na abordagem do tema, mas não há dúvida que a vontade política de Estados, dos quais se originam os representantes nas duas Casas que compõem o Congresso Nacional – Câmara de Deputados e Senado Federal – é elemento essencial para tornar factível qualquer tipo de reforma.
Diante de tamanha complexidade, nada mais natural do que o tema ser deixado de lado, embora sua importância seja inquestionável, as vantagens sejam conhecidas e haja absoluto consenso de que o sistema, da forma como posto, está muito próximo da sua exaustão.
Dito isso, a grande pergunta é: o que pode ser feito em um futuro próximo? Se a reforma tributária é um tema tão complexo e cheio de meandros, o que se pode esperar para que as vantagens sejam alcançadas, as distorções sejam sanadas, superando-se todas essas dificuldades? Muitas são as possíveis respostas a tais indagações, mas nos parece que, para tanto, é necessário nos voltarmos à realidade vivenciada pelos contribuintes no País.
Entre as dezenas de tributos existentes no Brasil, há dois deles de enorme relevância para as empresas: a Contribuição ao PIS e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, ambos de competência da União. Isso porque são tributos devidos pela grande maioria dos contribuintes-pessoas jurídicas, possuem duas sistemáticas de apuração – cumulativa e não cumulativa -, alcançam o faturamento ou a receita, têm alíquotas diferenciadas e que, combinadas, podem chegar a quase 10% (9,25%, mais precisamente). São com certeza tributos de altíssimo grau de onerosidade.
Além disso, por todas essas suas características, são responsáveis por uma boa parte das contingências das pessoas jurídicas, seja pelas dúvidas de interpretação que ensejam, seja pelas lacunas existentes, seja pela complexidade da sua apuração, especialmente para aqueles sujeitos à sistemática não cumulativa. Esse é só um exemplo.
No plano estadual, o principal tema ainda pendente de solução diz respeito à chamada “guerra fiscal”. Sabemos que, apesar do Supremo Tribunal Federal já ter se manifestado no sentido de que benefício estadual somente poderia ser concedido mediante a anuência unânime de Estados – no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária-CONFAZ – os Estados mantêm benefícios outorgados de forma unilateral, outra fonte de discussões administrativas e judiciais intermináveis, que, por sua vez, geram expressivas contingências.
Não podemos nem devemos resumir os principais temas enfrentados pelos contribuintes nos tópicos acima mencionados. Há muitas outras situações, o que explica o estoque expressivo de processos administrativos e judiciais em curso, envolvendo matéria tributária, nas mais diferentes esferas. Mas é inegável a relevância dos temas mencionados, os quais poderiam/deveriam ser priorizados antes mesmo de se falar em reforma tributária no Brasil.
Quanto aos PIS/COFINS, não é de hoje que se fala em simplificação do sistema. Na unificação dos tributos, na racionalização da sistemática não cumulativa, na eliminação de divergências de interpretação, tudo isso para facilitar o ambiente de negócios no País. Promete-se, inclusive, a criação de um tributo único sobre valor agregado, exatamente como se pratica em vários Países da Europa e da América Latina.
Há notícia do envio, pelo Ministério da Fazenda, de projeto de lei sobre o tema, em dezembro de 2015, ao Ministério da Casa Civil, mas não se tem notícia de nenhum andamento dado ao assunto, tampouco há qualquer previsão de quando se terá uma definição quanto ao tema.
No que se refere à “guerra fiscal”, o governo federal, igualmente por meio do Ministério da Fazenda, chegou a acenar com uma possível solução aos Estados: haveria a convalidação dos incentivos em vigor, no âmbito do CONFAZ, com a sua manutenção por prazo determinado, a possibilidade de Estados virem a adotar os mesmos benefícios praticados por seus vizinhos e, até mesmo, o perdão de débitos oriundos da concessão de benefícios de forma irregular.
Em relação ao tema, o grande desafio é endereçar uma solução que harmonize a gravíssima crise financeira que enfrentam os Estados e, ao mesmo tempo, a necessidade de que as diferenças regionais sejam respeitadas, considerando as terríveis desigualdades que ainda persistem. Para tanto, propõe-se, inclusive, a criação de um fundo compensatório, justamente o mecanismo pelo qual as perdas de alguns seriam supostamente compensadas. Aqui também não há notícia de previsão de encaminhamento do assunto.
Voltando à origem das reflexões, a reforma tributária no Brasil é medida que urge e não devemos abrir mão de lutar por ela. Mas enquanto ela não se torna realidade, que ao menos possamos enfrentar os dois temas mencionados, pois, uma vez equacionados, já trariam grande avanço no ambiente tributário brasileiro. Racionalização, simplificação e transparência são termos há muito empregados quando se discute as principais questões fiscais no Brasil. Se não podemos resolver todas as questões em um futuro próximo, que pelo menos enfrentemos algumas delas. Não chega a ser o ótimo, mas é com certeza o caminho para o possível.
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